A multidão e a mulher

Eu acompanhei aquela multidão. Era muita gente e de todas as partes. Gente que nunca tinha visto antes! Ele andava no meio dos seus amigos com passos firmes. Não posso dizer que gostava, parecia sofrer com tanto empurrão. Eu mesmo tentei toca-lo por duas vezes na empolgação daquele clima, no calor do momento e achei que ele ficaria feliz se tivesse sucesso na minha empreitada. Acho que buscava uma troca de olhar ou um sorriso dele de canto de boca. Buscava um conforto momentâneo mas não tenho certeza se essa era a expectativa dele. Não sei, não entendia o que se passava comigo.

Seus amigos conversavam algo com ele, talvez combinando onde iriam parar pra falar com todo aquele povo que só se fazia aumentar! Ele respondia com a cabeça. Tinha um olhar cansado, mas determinado. Era instigante acompanha-lo, mesmo no meio do caos, no calor da multidão e da empolgação desenfreada, ele se mantinha equilibrado. Era estranho e ao mesmo tempo normal, pois ele nos fazia sentir próximos. Havia cumplicidade, sentia que ele realmente queria nos ajudar.

Do meu lado dois homens se estranharam quando resolveram chegar mais perto dele ao mesmo tempo. Começou um princípio de briga prontamente absorvido pelos demais. Alguns choravam, outros gritavam seu nome ou um título que deram pra ele e que não sei ao certo o que significava.

Foi nesse momento que meus olhos se cruzaram com ela. Uma jovem abatida, magra e aparentemente bem cansada. Passou por debaixo da confusão ao meu lado e foi para mais perto dele. Voltei meu olhar para verificar se a confusão já tinha passado e quando olho novamente para ela noto que estão todos parados.

Um grupo ao meu lado disse que ela tinha tocado nas vestes dele e todos pararam! Ele parou...

Ele perguntou algo para seus amigos. Vi apenas braços gesticulando e apontando para a multidão, outros coçavam a cabeça, mas ele - eu vi - estava de cabeça baixa e olhos fechados! O silêncio era completo e começou um murmurinho. Ele olhou para trás e viu a mulher encolhida. A mãos dela suavam, estavam inquietas sem saber aonde repousar. Ela tremia, abaixou a cabeça e nesse momento começou a sorrir e chorar. Deu tímidos passos até ele, de cabeça ainda baixa e ajoelhou-se aos seus pés. Eu não entendia nada o que estava acontecendo, mas sei que foi um momento único como se o presente tivesse de mãos dadas com a eternidade.

Alguns na multidão começaram a reclamar pois queriam sua vez. Ordenavam uma atenção exclusiva dele. Duvidavam da sua real intenção com todos. Alguns foram até embora! Não compreendiam o que significava aquele momento para aquela mulher. Eu mesmo cheguei a me perguntar o motivo de ele ter parado para ela. Porque? O que ela fez de diferente dos outros? O que ela tinha de diferente?

Mas aquela cena era sublime. Meu coração se apaziguou e continuei observando tudo.

Lágrimas escorriam pela roupa da mulher. Ele abaixou-se também e carinhosamente passou a mão pelo cabelo dela, disse algo olhando bem nos seus olhos com um sorriso calmo e amoroso. Se abraçaram e se despediram. Ele continuou caminhando, a multidão o acompanhou e ela ficou ajoelhada no chão chorando de felicidade.

Eu parei de acompanhar a multidão e notei que outros também pararam. Ficamos ali, espantados com a experiência, emocionados e, particularmente, a imagem daquele homem olhando nos olhos daquela mulher, mesmo com toda multidão em volta, me marcou para todo vida. Compreendi tudo.

Quanto a mulher, não sei aonde ela está. Tentei encontra-la e saber o que havia acontecido pra tanta alegria. Mas pra mim pouco importa e penso que pra ela também, pois esteve frente a frente com o amor. Hoje sonho com aquela cena todas as noites, fui marcado pelo amor e sigo-O desde então.

Baseado em Lucas 8:42-48